sábado, 12 de julho de 2008

Céu espiritual e Céu empireo.

Pergunta — V. Revma. poderia explicar a diferença — se existe — entre Céu espiritual e Céu empíreo?
Resposta — O tema do Céu é um dos mais oportunos em nossos dias, quando muitos dizem que o inferno é nesta Terra, mas na verdade querem que o céu deles seja exclusivamente neste mundo.
Na Ladainha de Todos os Santos, a Santa Igreja nos convida a rezar: “Para que eleveis nosso espírito ao desejo dos bens celestes, nós vos rogamos, ouvi-nos”. Nada mais importante que este desejo dos bens celestes, pois significa o impulso interior de nos unirmos ao próprio Deus, desprendendo-nos dos bens da Terra, aos quais somos tão apegados. A pergunta do leitor nos incita a isso. Tratemos, portanto, do tema por ele levantado.
O Céu é um só, para o corpo e para a alma
Não há dois Céus, um empíreo e outro espiritual. O Céu é um só. Isto é verdade de fé.
O que ocorre é que o homem é composto de corpo e alma, de matéria e espírito. Quando os Padres da Igreja e os Doutores medievais trataram do Céu empíreo, apenas quiseram mostrar o que é óbvio, ou seja, que nosso corpo participou da luta que travamos aqui na Terra para sermos fiéis aos Mandamentos da Lei de Deus e aos Mandamentos da Igreja. Não foi só nossa alma que lutou. O corpo também submeteu-se a uma ascese para coibir os maus impulsos decorrentes do pecado original, da ação diabólica e do mundo, como também se absteve de prazeres legítimos em penitência por nossos pecados e — mais alto ainda — para “completar em nossa carne o que falta à Paixão de Cristo”, como dizia o Apóstolo São Paulo (cfr. Col. 1, 24). Segundo a teologia de São Paulo, os sofrimentos de nosso corpo, unidos à Paixão sacratíssima de Cristo, participam dos méritos infinitos desta.
É justo, portanto, que nosso corpo participe da glória celeste que inundará nossa alma. Daí a teologia tradicional designar com o nome de Céu empíreo o lugar preparado por Deus, em que nosso corpo será recompensado de todas as fadigas e sofrimentos nesta Terra. O que nada tem a ver com as heresias do chiliasmo ou milenarismo.
E como o corpo será recompensado? Não apenas pelos dons da imortalidade e da impassibilidade, pelos quais não conhecerá de novo a morte e ficará isento de toda dor e sofrimento. Ele será restaurado na perfeição de seus membros e no bom funcionamento de todos os seus órgãos. Ademais, será glorificado, isto é, dotado de esplendor e mobilidade como o Corpo glorioso de Cristo ressuscitado. Segundo se vê pela narração dos Evangelhos e dos Atos dos Apóstolos, Jesus Cristo aparecia de improviso no Cenáculo e em outros lugares onde estavam os Apóstolos, sem que estes percebessem como tinha entrado ou chegado. Mas comia com eles, para mostrar que não era um fantasma. E fez São Tomé tocar suas chagas, para certificar-se de que não era um ente imaterial. Era o Verbo Encarnado, ressuscitado e glorioso!
Assim, nosso corpo ressuscitado não deixará de ter uma natureza material, embora elevada e aperfeiçoada. E o lugar onde esse corpo se situará no Céu foi designado como Céu empíreo.
Ora, seria uma aberração pensar que o corpo estivesse num lugar, o Céu empíreo, e a alma num outro, o Céu espiritual. Pois o homem é composto de corpo e alma, e onde estiver seu corpo (ressuscitado) estará sua alma. Portanto, não há dois Céus, um para o corpo e outro para a alma. Como dissemos no início, o Céu é um só, para o corpo e para a alma.
Glorificação da alma e felicidade perfeita

Mas se o corpo será assim glorificado, muito mais glorificada será a alma. Ela será dotada da capacidade — que nesta Terra não temos — de ver a Deus face a face, tal qual Ele é, o que se designa com o nome de visão beatífica. Mais ainda, participaremos da própria vida divina, sem perdermos nossa identidade própria e sem nos confundirmos com Deus. É a vida da graça, oriunda da fé e do Batismo.
Será uma situação de felicidade perfeita, que colocará nossa alma num estado de gozo pleno, que se poderia designar de fato com o nome de Céu espiritual. A expressão é inteiramente legítima, desde que não seja entendida como um novo lugar, distinto do Céu empíreo como o definimos acima.
“Os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram”
Como o leitor está percebendo, é uma situação tão alta, que nesta Terra não temos a menor capacidade de a compreender. É um mistério, ao qual aludia São Paulo quando disse: “Os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem a mente do homem foi capaz de conceber o que Deus preparou para aqueles que O amam” (I Cor. 2, 9).
Assim, por mais que nos esforcemos em imaginar como é o Céu empíreo ou a bem-aventurança eterna das almas, ficaríamos incomensuravelmente abaixo do que Deus preparou para os homens que se salvam.
Não obstante, alguma coisa pode ser dita. Quando Deus criou o universo e nele colocou o homem, foi para que este, mesmo à luz da razão natural, através das coisas criadas se elevasse até Ele. Todas as coisas criadas têm em si um reflexo de Deus. E contemplando esse reflexo, o homem conhece um pouco como é Deus.
Não há quem, alguma vez na vida, contemplando um céu estrelado — fora das megalópoles modernas — não tenha ficado extasiado. Ou, contemplando um esquilo brincando com um fruto que colheu numa árvore, não tenha tido um sorriso de comprazimento. Esse comprazimento com uma maravilha criada por Deus, no fundo glorifica Deus; e glorifica tanto mais quanto mais amorosa e consciente for essa remissão ao Criador. Assim, pela escada das criaturas, o homem sobe até o Criador. E se prepara para as magnificências do Céu, indescritivelmente superiores ao que há de mais requintado sobre a Terra.
As obras do homem podem conduzir ao Criador


Por outro lado, quando Deus criou o homem, seu desígnio foi torná-lo um colaborador da própria obra da Criação. Por isso, deixou muitas coisas para o homem fazer. E foi assim que os homens construíram cidades, com casas, edifícios públicos, palácios, catedrais... E Deus quis que, ao construí-las, o homem pusesse nelas um reflexo do próprio Deus.
Sabemos bem que, infelizmente, os homens freqüentemente não fizeram isso, e até fizeram o contrário disso. Outras vezes, porém, nas épocas de fé, fizeram maravilhas que remetem a Deus.
Aqui está a razão desta digressão, que a algum leitor poderá ter dado a impressão de que se distanciava do tema. Não! Tanto a contemplação das obras criadas diretamente por Deus, como a contemplação das obras produzidas pelo homem de fé — sempre que conformes à ordem estabelecida por Deus — encaminham nosso espírito para compreender, muito limitadamente embora, como deve ser o Céu que Deus preparou para nós.
Não será certamente na contemplação das aberrações horrorosas da arquitetura moderna que nosso espírito se elevará ao Céu. Mas a contemplação de uma catedral — Notre Dame, Colônia, Duomo de Milão, e mil outras obras religiosas ou seculares que seria infindo listar –– nos encaminha até Deus.
O Céu empíreo será um requinte, muito além do imaginável por nós, de tudo aquilo que foi feito de bom e belo pelo homem, ou criado diretamente por Deus. Nele, as almas unidas aos respectivos corpos gozarão da visão beatífica, que constituirá para elas um autêntico Céu espiritual.

CATOLICISMO – JUNHO/2008

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